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sábado, 27 de dezembro de 2008

Lei afasta inventor da posse de patentes

A questão cultural, mais do que a jurídica, é um dos grandes gargalos do sistema de inovação nacional, apesar de não ser o único. Se os recursos para transformar conhecimento em produtos existem, como gosta de alardear o ministro Sergio Rezende (Ciência e Tecnologia), é fácil perceber quais engrenagens estão emperradas.

Um exemplo cristalino vem do centenário Instituto Butantan, em São Paulo. No local, funciona o CAT (Centro de Toxinologia Aplicada) e também um dos Cepids (centros de pesquisa, inovação e difusão) da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). Sob comando do médico Antonio Camargo, o grupo trabalha isolando moléculas do veneno de serpentes para depois tentar transformá-las em importantes medicamentos.

Ao todo, explica Camargo, o CAT já depositou 13 patentes desde 2001. Nenhuma delas, porém, obteve ainda concessão dos órgãos nacionais ou internacionais que analisam esses pedidos. Aqui, é que o imbróglio cultural começa.

"Nas patentes mais antigas todo mundo fez aquilo que achou que era o mais promissor em termos de proteção do conhecimento gerado com recursos públicos. Em alguns casos [como os do CAT], os pesquisadores foram colocados como co-titulares das patentes", diz Cristina Assimakopoulos, especialista em patentes da Fapesp. A instituição pública, que investiu milhões de dólares no processo, é também uma das titulares das patentes do CAT.

A evolução da legislação mudou o cenário. O Brasil já havia editado uma Lei de Propriedade Industrial, em 1996, e a Lei da Inovação Tecnológica fez algumas alterações em 2004. Tudo, em tese, deve ser tratado entre pessoas jurídicas. No caso específico, entre o Butantan, a Fapesp e o setor privado.

É exatamente esse o ponto que o professor Camargo quer discutir. "Os pesquisadores, legítimos co-proprietários da propriedade intelectual, não concordam com a usurpação desse direito", afirma ele. O caso do CAT não é o único. Levantamento feito pela pesquisadora Isabel Drummond, que trabalha para a Fundação Biominas, mostra que entre 1998 e 2000, só na área de biotecnologia, 16% das patentes pedidas tinham o inventor como titular do processo. "É um número alto", afirma a pesquisadora. Para ela, hoje, essa porcentagem continua válida.

Do lado do setor privado, patentes frutos de pesquisas lideradas por Camargo foram negociadas com a Coinfar -parceria que reúne as empresas Biolab, Aché e União Química.

Divórcio de intenções

Segundo William Marandola, representante da Coinfar, a legislação é clara. "Numa instituição de pesquisa, a patente pertence à instituição. Não ao pesquisador." Pela lei, diz o executivo, uma coisa é a figura do inventor e outra é a do titular da patente, "o dono do ativo representado pela patente". Marandola afirma que nenhuma empresa vai investir em projetos que estejam com uma pessoa física. "E se ocorre uma morte? Um divórcio?", diz. Ninguém quer patentes retidas num inventário em disputa.

No caso do Butantan, há outra peculiaridade. Para a assinatura de um contrato de licenciamento de patente, a legislação estadual obriga que tudo seja aprovado pela Assembléia Legislativa. Isso só aumenta o risco, na visão das empresas.

De acordo com o diretor do Butantan, Otávio Mercandante, a instituição está se modernizando para se adequar à nova realidade das patentes.

Escritórios especializados em propriedade intelectual, como a Clarke, Modet & C, foram ouvidos, além de cientistas autores de invenções. Eles recomendam que os pesquisadores de instituições públicas renegociem seus contratos tendo dois objetivos em mente: sair da titularidade da patente, mas não sem negociar um quinhão do dinheiro que pode vir da invenção - um lucro, aliás, que tem sido mais a exceção do que a regra. (Folha de S.Paulo)

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