Esse tem sido um dos grandes mistérios da horticultura: o que está matando as abelhas? Desde 2006, de 20% a 40% das colônias de abelhas nos EUA morreram, com cada uma delas contendo cerca de 50 mil insetos. A lista de suspeitos abrangia de pesticidas a alimentos geneticamente modificados.
Agora, uma parceria incomum – de cientistas militares e entomologistas – parece ter alcançado um enorme progresso: a identificação de um novo suspeito, ou dois.
A interação de um fungo com um vírus aparentemente causou o problema, segundo um artigo escrito por cientistas militares de Maryland e especialistas em abelhas de Montana, e publicado na revista científica “PLoS One”.
Ainda não se sabe exatamente qual combinação mata as abelhas, afirmaram os cientistas – isso seria assunto para a próxima rodada de pesquisas. Mas há pistas sólidas: tanto o vírus quanto o fungo proliferam em climas frios e úmidos, e ambos fazem seu trabalho sujo nos intestinos da abelha – sugerindo que a nutrição do inseto é de alguma forma comprometida.
“É como perseguir um fantasma – você nunca sabe onde ele pode aparecer em seguida”, disse o Dr. Jerry Bromenshenk, cientista pesquisador da Universidade de Montana, em Missoula.
A ligação entre militares e acadêmicos não é nenhuma novidade, obviamente. A Segunda Guerra Mundial, talvez o mais profundo exemplo, terminou com um ataque atômico sobre o Japão em 1945, basicamente sobre os ombros de cientistas-soldados do Projeto Manhattan. E o grupo de Bromenshenk já pesquisou aplicações relacionadas a abelhas no passado – desenvolvendo, por exemplo, uma forma de usar abelhas na detecção de minas terrestres.
Porém, pesquisadores de ambos os lados afirmam que o declínio das colônias pode ser a primeira vez em que o maquinário de defesa do Departamento de Segurança Doméstica, pós 11 de setembro, e os acadêmicos se uniram para abordar um problema que os dois lados dizem que nunca teriam resolvido sozinhos.
“Juntos, pudemos examinar coisas que ninguém mais estava examinando”, disse Colin Henderson, professor-associado na Faculdade de Tecnologia da Universidade de Montana e membro da equipe de Alerta das Abelhas de Bromenshenk.
A natureza humana e a da abelha se interconectaram em como as peças do quebra-cabeça se juntaram. Dois irmãos ajudaram a estimular a comunicação entre disciplinas. Um encontro ao acaso e um cartão de visitas recuperado se mostraram essenciais. Até mesmo o aprendizado de como amassar abelhas mortas para análise – algo não ensinado na academia militar – se tornou um fator.
Uma estranha característica da redução das colônias , que ajudou a dificultar a solução, é que as abelhas não morrem simplesmente – elas voam em todas as direções para fora da colmeia e morrem sozinhas, dispersas. Isso impossibilita um grande número de autópsias de abelhas – sim, os entomologistas fazem autópsias.
A equipe de Bromenshenk, na Universidade de Montana e na Universidade Estadual de Montana, em Bozeman, e cientistas do Centro Bioquímico Militar Edgewood, no norte de Baltimore, afirmaram em seu artigo conjunto que o ataque duplo do vírus-fungo foi encontrado em todas as colônias mortas estudadas pelo grupo. Nenhum dos dois agentes sozinho parecia capaz de devastar; juntos, segundo sugere a pesquisa, eles são 100% fatais.
“De certa forma é como o ovo e a galinha – não sabemos quem veio primeiro”, disse Bromenshenk sobre a combinação vírus-fungo. Tampouco está claro, acrescentou ele, se um dos agentes enfraquece a abelha o suficiente para que o segundo finalize com ela, ou se eles de alguma forma completam o poder destrutivo um do outro.
“Eles são co-fatores, isso é tudo que podemos dizer até agora”, disse ele. “Os dois estão presentes em todas essas colônias que morreram”.
Pesquisas de diversos anos atrás, conduzidas na Universidade da Califórnia, em São Francisco, já haviam identificado o fungo como parte do problema. E diversos vírus baseados no RNA também haviam sido detectados. Mas a equipe Exército/Montana, usando um novo sistema de software desenvolvido pelos militares para a análise de proteínas, descobriu um novo vírus baseado no DNA e estabeleceu uma ligação com o fungo, chamado N. ceranae.
“Nossa missão é conseguir detectar para proteger nosso pessoal no campo contra qualquer ameaça biológica”, disse Charles Wick, microbiologista de Edgewood.
As abelhas, segundo Wick, se mostraram uma perfeita oportunidade para testar o que o software analítico do exército podia fazer. “Nós o usamos nesse problema das abelhas como um estudo piloto”, afirmou ele.
O sistema de software do exército – por si só um avanço no crescente campo das pesquisas de proteínas, ou proteômica – foi projetado para testar e identificar agentes biológicos em circunstâncias em que o comando não tem ideia de que tipo de ameaça pode estar enfrentando.
O sistema busca as proteínas singulares numa amostra, e então identifica um vírus ou outra forma de vida microscópica com base nas proteínas que ele é conhecido por conter. O poder dessa ideia para a defesa militar ou de abelhas é imenso, dizem os pesquisadores, por permitir que eles usem algo que já sabem para encontrar algo que eles nem mesmo sabiam que estavam procurando.
Mas foi necessária uma conexão familiar – através de David Wick, irmão de Charles – para realmente ligar os pontos. Quando a morte das colônias chegou às manchetes há alguns anos, David Wick, empresário de tecnologia que se mudou para Montana na década de 1990 buscando o estilo de vida ao ar livre, assistiu na televisão a uma entrevista com Bromenshenk sobre abelhas.
Wick sabia sobre o trabalho de seu irmão em Maryland, e se lembrou de ter encontrado Bromenshenk numa conferência de negócios. Um cartão de visitas guardado e uma ligação telefônica colocaram o Exército e a equipe de Alerta das Abelhas voando em volta da mesma flor.
Os primeiros passos foram desajeitados, parcialmente porque o laboratório do exército não era usado para testar abelhas, ou mais especificamente, para extrair proteínas de abelhas.
“Acho que foi em janeiro de 2007, num encontro em Bethesda; pegamos um saco de abelhas e simplesmente começamos a amassá-las sobre a mesa”, contou Charles Wick. “Foi bastante complicado”.
O processo eventualmente se tornou mais refinado. Um morteiro e um pilão funcionaram melhor que a mesa, e um moedor de café se saiu bem melhor na produção de uma boa pasta de abelhas.
Os cientistas do projeto enfatizam que suas conclusões não são a palavra final. O padrão, segundo eles, parece claro, mas é preciso conduzir mais pesquisas para determinar, por exemplo, o grau em que as epidemias podem ser evitadas, e até onde fatores ambientais como calor, frio ou estiagem poderiam desempenhar algum papel.
Eles disseram que os ataques combinados, como o vírus e o fungo envolvidos na morte das abelhas, são bastante comuns na natureza, e que a solução para proteger as colônias de abelhas pode estar em focar no fungo – controlável com agentes antifúngicos –, especialmente quando o vírus for detectado.
Ainda não se sabe o que faz as abelhas voarem para longe antes de morrer. Uma teoria, segundo Bromenshenk, é que a combinação vírus-fungo interrompe as habilidades de memória ou navegação da abelha, e ela simplesmente se perde. Outra possibilidade, disse ele, seria um tipo de insanidade de insetos.
De qualquer forma, a própria operação na universidade se mostrou vulnerável no ano passado, quando quase todas as abelhas desapareceram durante o inverno.
Fonte: New York Times