John McLaughlin, ex-diretor da CIA, fala sobre as dificuldades da busca por Osama bin Laden, líder da rede terrorista Al Qaeda morto em uma operação secreta americana no Paquistão, em 1º de maio.
Deutsche Welle: O senhor trabalhou mais de 30 anos para a CIA. Quando ouviu falar pela primeira vez de Osama bin Laden?
John McLaughlin: Em meados dos anos 1990. Por volta de 1996, reconhecemos que Bin Laden era um financiador importante da Al Qaeda e de outras atividades terroristas. Naquele momento, quando ele mudou da Arábia Saudita para o Afeganistão, preparei uma avaliação sobre sua pessoa para o governo norte-americano. Em 1997, havíamos classificado Bin Laden como um perigo em potencial para os EUA. Aí vieram obviamente os atentados às embaixadas nos anos de 1998 e o ataque ao USS Cole em 2000. E, depois, claro, os atentados do 11 de Setembro.
Os EUA tentaram, em vão, capturar Bin Laden antes do 11 de Setembro. No que mudou essa busca depois dos atentados terroristas?
Os atentados do 11 de Setembro foram um enorme choque para os EUA e a busca por Bin Laden foi sensivelmente intensificada. Antes do 11 de setembro, Bin Laden já havia mandado executar alguns atentados, mas ele tinha se atido a instituições norte-americanas fora dos EUA. O governo Clinton levou tudo isso muito a sério, mas, naquele momento, havia outros problemas no país.
Embora capturá-lo fosse uma tarefa da mais alta prioridade, não era tão urgente quanto após os atentados do 11 de Setembro. Depois desta data, aumentaram os recursos investidos no serviço secreto e o número de funcionários que tratavam do assunto subiu drasticamente.
Um momento decisivo na busca por Bin Laden aconteceu nas montanhas de Tora Bora, no Afeganistão, para onde fugiram vários líderes da Al Qaeda depois dos atentados nos EUA. Como Bin Laden pôde escapar das tropas norte-americanas e como o senhor reagiu a isso?
Discute-se ainda, de maneira muito controversa, o que, de fato, aconteceu em Tora Bora. Alguns dos meus melhores amigos acreditam que a gente tinha que ter detido Bin Laden naquele momento. Outros duvidam, contudo, que isso teria sido possível. Minha opinião é a seguinte: diante de um terreno tão acidentado e condições tão difíceis, teríamos que ter tido um número considerável de soldados norte-americanos in loco, para que tivéssemos uma chance real de capturá-lo.
Não sei o que passou naquela época pelas cabeças dos comandantes militares, mas estou tão convencido, como outras pessoas, de que teríamos tido como pegá-lo. Teríamos certamente melhorado nossas chances com mais tropas em Tora Bora, mas, mesmo com um alto número de soldados, teríamos, considerando o terreno e as informações do serviço secreto das quais dispúnhamos, tido grandes dificuldades.
É correta a ideia de que os EUA nunca estiveram tão perto de capturar Bin Laden como naquele momento em Tora Bora, até o dia em que, no ano passado, descobriu-se onde ele estava, pouco antes de ele ser morto, no início de maio?
Acredito que sim. Entre 2001 e 2011, surgiram relatórios sobre o local onde ele se encontrava e como chegar até ele. Às vezes acreditávamos até que dispúnhamos de boas informações sobre seu local de permanência, mas não com exatidão. E procuramos e procuramos, mas não o encontramos. Ou seja, aos poucos fomos riscando algumas regiões da lista. Naquele período de tempo, a ordem era procurar intensamente por ele, mas se concentrar na destruição da rede da Al Qaeda, que o apoiava.
Em outras palavras: acreditávamos que deveríamos procurá-lo, mas que teríamos que enfraquecê-lo muito, reduzindo o perigo de um novo atentado terrorista, no que destruíssemos sua rede de comunicação, logística, esconderijos secretos, financiadores e doadores. Desta forma, queríamos isolar Bin Laden, tornando-o encontrável. Acho que, de forma geral, conseguimos isso.
Por que foi tão difícil, para uma potência militar como os EUA, com todas as suas fontes de serviço secreto, capturar o terrorista mais procurado do mundo?
Na minha área, que é a do serviço secreto, a maior dificuldade é encontrar um indivíduo. Vamos lembrar um pouquinho o tempo da Guerra Fria. Naquela época, procurávamos somente grandes coisas no mundo. Precisávamos localizar forças armadas soviéticas, submarinos, bombas ou divisões de combate na fronteira alemã. No combate ao terrorismo, do qual nos ocupamos desde o 11 de Setembro, nossa busca se volta para coisas muito pequenas: uma bomba em uma mala ou uma pessoa em uma cidade com vários milhões de habitantes.
Isso é muito difícil, principalmente quando a pessoa em questão faz de tudo para se disfarçar. Para dar um exemplo: nos EUA, aconteceu, há alguns anos, um ataque a bomba a um evento olímpico na cidade de Atlanta. E embora a gente dispusesse de todas as possibilidades legais, em um país aberto, demoramos três ou quatro anos para encontrar o responsável. Outro exemplo: em 1993, um dos funcionários da CIA foi morto em frente à nossa sede. Demorou quatro anos até que encontrássemos o assassino no Paquistão e pudéssemos trazê-los aos EUA. Importante nisso tudo é: não importa o quanto demore, nós não desistimos.
O senhor passou grande parte de seu tempo na CIA procurando, em vão, Bin Laden. O que sentiu quando deixou o serviço secreto, em fins de 2004?
Eu me senti muito bem, pois achava que tínhamos enfraquecido sensivelmente o Al Qaeda. Nossa meta era proteger os EUA de novos ataques terroristas - e desde o 11 de Setembro eles, de fato, não ocorreram mais. Visto desta forma, atingimos nosso objetivo principal. Mas é claro que outra pessoa, na minha posição, teria se sentido decepcionada de não ter encontrado o terrorista mais procurado do mundo.
Por isso ficamos todos, inclusive a atual liderança da CIA, muito aliviados com a operação, que, no fim, acabou sendo bem-sucedida. E bem-sucedida porque trabalhamos 15 anos para isso. Em operações deste tipo, tudo depende do esquema, das pausas que você vai desenvolvendo e dos indícios a partir dos quais, de repente, tudo começa a fazer sentido. Vendo desta forma, nos sentimos todos um pouco responsáveis pelo sucesso da operação.
No último ano, o serviço secreto norte-americano conseguiu dar a cartada decisiva na busca por Bin Laden. Mesmo não estando mais na CIA, o senhor ainda dispõe de informações para nos dizer o que, afinal, levou os EUA a encontrar Bin Laden?
Não sabemos o suficiente, e eu não sei o suficiente para dar a você uma resposta satisfatória. Muitos fatores podem ter desempenhado um papel importante e muita coisa ainda é secreta. Acho até mesmo que, no fim da operação, falou-se um pouco demais sobre o assunto.
Decisivo foi o acúmulo de indícios ao longo dos anos. Já compararam o trabalho no serviço secreto com um quebra-cabeça, só que sem um modelo a seguir. Assim foi também com Osama bin Laden. Quando procuramos por ele, tínhamos pequenas peças desse quebra-cabeça, mas não sabíamos como montá-lo. Com o tempo, foi-se criando uma imagem. No fim desse processo, é possível inserir cada indício nessa imagem e tudo vai fazendo sentido.
Acho que foi um processo desse que nos levou a encontrar Bin Laden. Você precisa pensar que o governo norte-americano também não tinha 100% de certeza de que ele estaria realmente lá. Acho que havia 70 ou 80% de possibilidade, mas certeza absoluta não havia.
Quando você se ocupa tão intensamente de uma pessoa como Bin Laden, procurando por ele, lendo sobre ele, sabendo de seus hábitos, você acaba criando uma espécie de relação com ele?
Eu nem tanto. Teria que especular se isso aconteceu com as pessoas que chamo de "analistas da linha de frente", ou seja, que trabalham diretamente com isso. Eu só trabalhei em uma esfera mais alta e tinha que ter o mundo todo em vista, o Oriente Médio e a Ásia, a África, a América Latina.
Mas mesmo assim o terrorismo ocupava em minha agenda pessoal um papel importante. Se precisasse especular a respeito daqueles que realmente se ocuparam de Bin Laden, suspeitaria que eles não tenham desenvolvido uma ligação emocional, mas sim uma espécie de intimidade com o objeto. Você começa a saber de tanta coisa que acaba achando que conhece realmente aquela pessoa, mesmo que faltem algumas informações para compreendê-la, para entender os processos que levam às suas decisões, onde e como ela age. Posso assegurar a você que as pessoas que trabalham desta forma desenvolvem uma obsessão concreta pelo objeto, o que é compreensível.
A postura dentro da CIA em relação ao 11 de Setembro posso resumir a você em duas palavras: raiva e determinação. Raiva por termos perdido a oportunidade de identificar o alvo dos ataques terroristas da Al Qaeda, pois sabíamos que eles queriam atacar naquele verão. Tínhamos boas informações sobre um ataque iminente, só não sabíamos onde ele se daria. O outro aspecto é a determinação. Estamos certos de que nunca mais permitiríamos um ato como esse e que iríamos destruir a organização que estivesse por trás dele. Quem trabalha com algo assim passa a não ter mais uma meta, mas uma missão.
John McLaughlin foi, entre julho e setembro de 2004, diretor da CIA. Entre 2000 e 2004, foi seu vice-diretor. Em seus mais de 30 anos de carreira, serviu a mais de 11 diretores, em diferentes funções, dentro da CIA. Em 2010, foi nomeado pelo presidente Obama para chefiar uma equipe de especialistas norte-americanos em segurança, cuja meta era refletir sobre os desafios que os atentados, planejados para acontecer nos EUA em 2009, trouxeram. Atualmente, McLaughlin é professor convidado da Universidade Johns Hopkins, na cidade de Baltimore, estado Maryland. Fonte: DEUTSCHE WELLE
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