A Comissão de Relações Exteriores do Senado vota nesta quinta-feira (29) a entrada da Venezuela no Mercosul, bloco comercial formado por Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. A votação acontece em meio a uma guerra comercial entre brasileiros e argentinos e depois de dias de discussões acaloradas entre governistas e oposição em torno principalmente da figura polêmica do presidente venezuelano Hugo Chávez.
O comportamento explosivo do presidente venezuelano, bem como medidas polêmicas de seu governo (como a nacionalização um hotel da rede Hilton na ilha de Margarita), servem de munição para as críticas de quem é contra a entrada da Venezuela no Mercosul.
O presidente do Senado, José Sarney, se disse contrário à adesão por dizer que não há democracia na Venezuela (Chávez alterou a Constituição para poder se reeleger indefinidamente). O mesmo chegou a alegar o relator do tema na comissão, senador Tasso Jereissati (PSDB-CE). Ele deu parecer contrário à entrada dos venezuelanos no bloco, mas sinalizou que pode recuar depois que o prefeito de Caracas, Antonio Ledezma, foi ao Senado pedir a aprovação do projeto. Ledezma faz oposição a Chávez e esteve na comissão na terça-feira.
Tasso, e outros senadores como Heráclito Fortes (DEM-PI), chegaram a dizer que o polêmico presidente venezuelano pode trazer instabilidade para o bloco. Mas para Sérgio Gil Marques, das Faculdades Integradas Rio Branco, instabilidade no Mercosul não é exatamente uma coisa nova.
- O Mercosul nunca foi estável (...) . E para mim o Chávez não trará desestabilização. O Mercosul, como integração comercial, nunca foi estável.
Ao mesmo tempo em que os senadores discutem em Brasília a entrada da Venezuela no Mercosul, o Brasil trava uma guerra comercial com sua parceira mais importante no bloco.
Desde o início de outubro, o país vem colocando dificuldades para liberar as importações de produtos feitos na Argentina. Farinha de trigo, vinho, azeite de oliva, uvas-passas e até mesmo peixes vindos do país vizinho têm demorado até 60 dias para conseguir liberação para entrar no Brasil. A autorização, antes, era automática. E os produtos argentinos, muitos deles perecíveis, agora têm ficado retidos na alfândega brasileira.
Essas medidas acontecem meses depois de a Argentina ter passado a dificultar a entrada no país de diversos produtos brasileiros, como sapatos e eletrodomésticos. Os argentinos também dificultam a emissão de licenças para esses produtos e alegam estar protegendo sua indústria. O governo brasileiro não admite que está promovendo uma retaliação, enquanto os argentinos protestam.
Venezuela traz vantagens para o Brasil - Mesmo com as brigas dentro do bloco, a chegada da Venezuela é vantajosa para o Brasil, na opinião de especialistas. O novo parceiro aumentará o alcance do Mercosul para o norte do continente sul-americano e facilitará o acesso dos produtos brasileiros a um mercado potencial de 28 milhões de consumidores.
Paulo Edgar Resende, coordenador do Núcleo de Análise de Relações Internacionais da PUC-SP, afirma que um dos grandes ganhos para o Brasil está no fato de que a Venezuela tende a importar produtos industrializados brasileiros, com maior valor agregado.
- A Venezuela não será mais um país a importar commodities [como produtos agrícolas e minério], como faz a China, por exemplo. Eles têm um parque industrial em formação, que não está consolidado como o brasileiro.
O Brasil é hoje um grande exportador de produtos commodities, mas sua indústria ainda se sustenta principalmente no mercado interno. Seus produtos enfrentam barreiras para entrar até na parceira Argentina, como mostra a mais recente guerra comercial com a vizinha. Para Resende, a entrada da Venezuela significa uma boa oportunidade para os industriais brasileiros.
Ele afirma também que a adesão venezuelana abre um caminho importante para o Mercosul: a sua expansão para o norte do continente. Isso pode levar no futuro à adesão de outros países ao bloco, como o Equador e a Colômbia. E, com isso, o acesso a novos mercados.
Acordo pode segurar autoritarismo de Chávez - Se aprovado na Comissão de Relações Exteriores, o protocolo de adesão da Venezuela vai a votação no plenário do Senado. E, se também passar ali, restará apenas ao Paraguai ratificar a entrada - Argentina e Uruguai já o fizeram.
O professor Sérgio Gil Marques também vê vantagens na entrada do novo membro no Mercosul. Esse ato, diz ele, deixa a Venezuela mais perto da esfera de influência do Brasil.
- Mesmo quando [o presidente Hugo] Chávez não estiver mais no cargo, vai ficar mais fácil evitar que o país caia nos braços dos Estados Unidos quando ele sair do poder.
Segundo ele, antes do antiamericano Chávez, a Venezuela estava mais voltada para os Estados Unidos do que para o Brasil.
Além disso, a chamada "cláusula democrática" do Mercosul, que obriga a realização de eleições diretas no bloco, amarra o polêmico governante a um compromisso de manter a democracia no país.
- Ingressar no Mercosul significa amarrar a Venezuela a um compromisso democrático que todos os membros precisam seguir. Isso pode segurar os arroubos autoritários de Chávez ao selar esse compromisso.
Para a Venezuela, diz Marques, também há vantagens. O país, grande produtor de petróleo, é extremamente dependente dos Estados Unidos, que compram a maior parte de sua produção. No Mercosul, encontrará novos parceiros comerciais.
- É importante para a Venezuela ter esse elo econômico com a América do Sul. R7
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