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quarta-feira, 25 de março de 2009

A fé que faz bem à saúde

A capacidade inata de procurar a explicação de um fenômeno é uma das diferenças entre o ser humano e outros animais. O homem primitivo não tinha como entender eventos mais complexos, como a erupção de um vulcão, um eclipse ou um raio. A busca de explicações sobrenaturais pode ser considerada natural. Mas por que ela desembocou na fé e no surgimento das religiões? Cientistas de diferentes áreas se debruçaram sobre a questão nos últimos anos e chegaram a conclusões surpreendentes. Não só a fé parece estar programada em nosso cérebro, como teria benefícios para a saúde.

Com sua intuição genial, Charles Darwin, criador da teoria da evolução há 150 anos, já havia registrado ideia semelhante no livro A descendência do homem, em 1871: “Uma crença em agentes espirituais onipresentes parece ser universal”. “Somos predispostos biologicamente a ter crenças, entre elas a religiosa”, diz Jordan Grafman, chefe do departamento de neurociência cognitiva do Instituto Nacional de Distúrbios Neurológicos e Derrame. Grafman é o autor de uma das pesquisas mais recentes sobre o tema, publicada neste mês na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences.

Em seu estudo, Grafman analisou o cérebro de 40 pessoas – religiosas e não religiosas – enquanto liam frases que confirmavam ou confrontavam a crença em Deus. Usando imagens de ressonância magnética funcional – que mede a oxigenação do cérebro –, o neurocientista descobriu que as partes ativadas durante a leitura de frases relacionadas à fé eram quase as mesmas usadas para entender as emoções e as intenções de outras pessoas. Isso quer dizer, segundo Grafman, que a capacidade de crer em um ser ou ordem superior possivelmente surgiu ao mesmo tempo que a habilidade de prever o comportamento de outra pessoa – fundamental para a sobrevivência da espécie e a formação da sociedade. E para estabelecer relações de causa e efeito. A interferência de um ser muito poderoso seria uma explicação eficiente para aplacar a necessidade de entender o que não se consegue explicar com o conhecimento comum.

Mas o que levaria o ser humano, dotado de razão, a acreditar que um velhinho de barba branca, em cima de uma nuvem, atira raios sobre a Terra? Ou que 72 virgens aguardam os fiéis no Paraíso? “Tendemos a atribuir características humanas às coisas, inclusive ao ser divino”, diz Andrew Newberg, neurocientista da Universidade da Pensilvânia, autor de outro importante estudo sobre o poder da meditação e da oração. “A crença religiosa surgiu como um efeito colateral da maneira como nossa mente é organizada, da maneira como ela funciona naturalmente”, diz Justin Barrett, antropólogo e professor da Universidade de Oxford.

Andrew Newberg - “O cérebro dos ateus é diferente”
O neurocientista fala sobre seu livro Como Deus muda seu cérebro


Como Deus pode mudar a estrutura cerebral das pessoas?
Andrew Newberg – Os nossos estudos usando imagens do cérebro mostram que, no longo prazo, há alterações no lobo frontal (relacionado à memória e à regulação das emoções) e no sistema límbico (ligado às emoções). As pessoas tendem a conseguir controlar mais suas emoções e expressá-las. A meditação e a oração ajudam a melhorar a relação consigo mesmo e com os outros. Também especulamos que essas práticas alteram, inclusive, a química cerebral, como os níveis de serotonina e dopamina, que regulam nosso humor, nossa memória e o funcionamento geral de nosso corpo, mas ainda não temos provas disso.

Em seu livro, o senhor fala bastante da meditação, uma prática tradicionalmente ligada às religiões orientais. Existe alguma diferença entre, por exemplo, o catolicismo e o budismo?
Newberg – Não olhamos exatamente para as diferenças entre as religiões, mas para as diferentes práticas. A forma como você pratica a religião é mais importante que as ideias religiosas em si.

Há um consenso entre os cientistas de que a fé pode ajudar na manutenção da saúde?
Newberg – Muitos cientistas acreditam que a espiritualidade tem um papel na saúde. A pergunta é quem vai administrar isso e como os profissionais de saúde vão lidar com a espiritualidade de uma maneira apropriada e benéfica. Essas questões ainda não foram respondidas.

Há alguma diferença neurológica entre aqueles que creem e os que não creem em Deus?
Newberg – Encontramos algumas diferenças, sim, e também notamos diferenças dependendo do tipo de prática religiosa. O problema é que nunca sabemos se aquelas mudanças estão lá porque a pessoa é religiosa há muito tempo ou se ela nasceu daquela maneira e, por causa disso, procurou um tipo de religião ou meditação.

Jordan Grafman - “A crença é necessária”
O neurocientista diz que o pensamento religioso nasceu junto com o cérebro humano

O senhor diria que a religião é um produto acidental de nosso processo evolutivo?
Jordan Grafman – Eu não diria acidental. Existe uma tendência para nós pensarmos de certa maneira, e essa maneira, de alguma forma, envolve a necessidade de ter um sistema de crenças. E esse sistema guia nosso comportamento social. Acredito que estamos constantemente criando novos tipos de sistema de crença e é muito provável que os primeiros tenham sido baseados em autoridades religiosas.

Somos biologicamente predispostos à religião?
Grafman – Eu diria que somos predispostos biologicamente a ter crenças, e a religiosa é uma delas, mas não a única. Classificaria a religião como uma forma primitiva de crença porque se baseia muito no que é desconhecido. Algumas das regras éticas vieram por meio da religião, mas só se estabeleceram porque ajudaram a ordenar a sociedade. Então, muitas regras tiveram sentido. A religião nasceu claramente de nossa necessidade de entender o que estávamos vendo. ÉPOCA

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