
As manifestações que vimos nas últimas semanas – e que se acalmaram nos últimos dias, devendo continuar assim até o diálogo com o presidente Sebastian Piñera no sábado – nada mais são do que resultado daquele modelo educacional imposto pela ditadura de Pinochet, mantido pelo regime socialista por mais de 20 anos e, agora, prolongado também pelo atual governo. Esse sistema segue a linha ultraliberal implementada na economia nos anos 1980 sob a tutela do americano Milton Friedman, fundador da Escola de Chicago. Com ele, o ensino se transformou em mais um produto de mercado da livre concorrência - o que pode dar certo em grandes economias, mas tende a ser frustrante em países em desenvolvimento, como o Chile. À época, a importância da educação foi exaltada para convencer a população a desembolsar altas quantias em dinheiro. O governo defendia que os benefícios compensariam o alto custo e que reformas profundas e mudanças estruturais deveriam ser deixadas de lado. Afinal, a educação era prioridade, diziam.
Então, as escolas do país foram separadas em três grupos: as públicas, que foram municipalizadas; as privadas subsidiadas, cujos alunos recebiam "abonos" do governo; e as totalmente particulares, pagas com dinheiro da família. Essa divisão levou o Chile a dois cenários de educação totalmente paradoxos: de um lado, há escolas exemplares e reconhecidas internacionalmente - as particulares -, e de outro, instituições de péssima qualidade - as públicas e as subsidiadas. "O ensino público é completamente segmentado de acordo com a classe social", enfatiza Sebastian Vielmas, secretário-geral da Federação dos Estudantes da Universidade Católica (Feuc), que participa do movimento estudantil. E se a educação no país, ainda de acordo com o Pisa, é a menos pior da América Latina (com exceção do México), isso ocorre muito mais por demérito das nações em comparação - como o Brasil, por exemplo - do que por mérito do próprio Chile, apesar das faculdades com qualidade elevada melhorarem o índice das ruins.
Frustrações - Para os brasileiros, a situação do ensino chileno não é novidade. Aqui e lá o que se vê é a repetição do quadro de desigualdade presente em todo o continente, onde a renda familiar é o que determina a qualidade de ensino que crianças e jovens irão receber. Por isso, os alunos de escolas privadas alcançam resultados invejáveis, enquanto seus colegas das escolas municipais não atingem os níveis mínimos de aprendizado. O professor Joaquín Fermandois ressalva, porém, que as questões relacionadas à municipalidade e à má qualidade dos professores do sistema público também são semelhantes em países da Europa, como França e Alemanha. "A educação massiva tem problemas que são similares em toda parte do mundo. O que torna o modelo chileno mais grave é mesmo sistema de 'abonos'", destaca.
Uma pesquisa do Pisa feita com alunos chilenos da 5ª série do ensino fundamental comprova que os que estudam em escolas particulares - e, portanto, pertencem a famílias mais ricas - têm um desempenho 35% melhor do que os mais pobres, do mesmo ano, que estudam em instituições públicas. Isso acontece porque os "abonos" dados pelo estado às escolas públicas são de apenas 100 dólares (cerca de 160 reais) por mês, o que representa apenas um décimo das taxas cobradas pelas escolas privadas. O presidente Sebastian Piñera chegou a apresentar em dezembro de 2010 uma proposta de reforma educacional que previa aumentar esses valores, mas ainda não foi tomado nenhum passo prático nessa direção.
Para Fernandois, a solução passa longe da utópica gratuidade total da educação exigida pelos manifestantes. Ele defende que o sistema continue misto, com financiamento público e privado, mas com algumas transformações que possibilitem amenizar essas disparidades. "Uma possibilidade é dar àqueles que não têm meios a possibilidade de pagarem suas dívidas com prestações sociais. Outra, é fazer um intercâmbio de professores, para que os melhores passem alguns anos em escolas públicas", sugere. Propostas existem, mas é preciso real vontade de mudar uma realidade que se arrasta há decadas e leva com ela o bem-estar da população - que é obrigada a escolher, muitas vezes, entre seu sustento e sua educação. FONTE: VEJA ONLINE
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